Registro ( self stamping )

O corpo re-encenado como matéria da arte

Se buscarmos no dicionário o significado do substantivo masculino “registro”, iremos encontrar apenas as relações literárias da palavra. Mas, na gramática das artes contemporâneas, esta palavra pode conter inúmeras significações conceituais, materiais, simbólicas, etc. No entanto, ao escolher a palavra “registro” para dar corpo a uma série de imagens fotográficas de si, Rachel Korman apresenta uma outra discussão a respeito do ato de fotografar-se. Com esta atitude, a artista retoma a discussão da afirmação do artista como único “meio” de criação. No binômio criador-criatura, a auto-representação de Rachel Korman é um jogo de espelho do revelar e ser por ela revelado, iluminar e ser por ela iluminado.
Já apontei o caráter da carnalidade na obra da artista, lembrando que desde a invenção dos românticos Ingres e Goya, a representação da mulher pairava como mera representação para os artistas. É somente na arte contemporânea, com o questionamento à psicologia da histeria feminina em Louise Bourgeois, na desconstrução do corpo em Judy Chicago, Marina Abramovic, Lygia Clark e Eva Hesse, nos auto-retratos paródicos de Cindy Sherman, no exibicionismo panfletário de Vanessa Beecroft, enfim, nas vertentes e dobras da arte feminista, que a mulher pôde inserir sua verdadeira imagem na arte. E Rachel, com seus nus, suas silhuetas, com seus adereços agregados à imagem do feminino, é quem possibilita uma visão descarnada de si como criador-criatura, deixando ao espectador a escolha da imagem que assim desejar.
Nesta série, Rachel não dá carnalidade ao seu corpo, mas empresta à sua sombra uma materialidade proveniente dos chãos onde foram feitos os registros: França, Brasil, Portugal, etc. Aqui, o lugar não tem importância, mas, sim, a situação: uma mesma hora, uma mesma posição onde o sol é capaz de revelar a silhueta desejada. A imagem é a mesma, porém, diferente, pois revela aquilo que a luminosidade pretensamente revela. A única peça corporal visível são os pés da artista. Os pés que agarram-se à terra, que a faz andar e conhecer lugares que existirão no futuro apenas na memória.
Real e simulado, carnal e espiritual, os registros imagens de Rachel Korman são espetacularizações do próprio corpo da artista re-encenado como única matéria da arte.

Paulo Reis
Rio de Janeiro, novembro de 2004